Universo PI - Reformular o progresso: O caminho da Europa na era da tecnologia
A rubrica “Universo PI” que inaugurámos, no Linkedin, por ocasião do 48º aniversário do INPI está de regresso. Nesta edição, contamos com o honroso testemunho de António Campinos, Presidente da Organização Europeia de Patentes.
Universo PI - Reformular o progresso: O caminho da Europa na era da tecnologia
Portugal, outrora conhecido pelos exploradores que desbravaram o mundo, navega hoje num rumo diferente; um rumo definido pela tecnologia. O espírito português de descoberta persiste, com um número crescente de pedidos de patente apresentados por entidades nacionais junto da Organização Europeia de Patentes (OEP) na última década e que acaba de estabelecer um número recorde em 2024, refletindo uma taxa de crescimento de 5% em relação a 2023.
Classificada entre as 20 nações melhor preparadas para a transição energética, Portugal está hoje a utilizar mais do que os ventos do Atlântico rumo ao progresso; está a olhar para os seus inovadores, a criar incentivos e infra-estruturas. Uma das maiores conferências de tecnologias da Europa, a Web Summit, atrai todos os anos a Portugal milhares de entusiastas da tecnologia e do empreendedorismo de base tecnológica; o Tech Visa atrai talentos de todo o mundo; a Unicorn Factory Lisboa apoia startups e scaleups a inovar e crescer, e as mulheres portuguesas inventoras estão a submeter patentes a um ritmo quase duas vezes superior à média europeia, o que é certamente um salto significativo num setor maioritariamente dominado por homens.
A tecnologia tem-se infiltrado de forma poderosa na sociedade e economia nacionais desde os meus dias como Presidente do INPI, há 20 anos atrás, levando as indústrias a um estado de progresso constante. Alguns chamam-lhe a Quarta Revolução Industrial, mas parece muito mais do que isso: estamos perante uma evolução ou uma reescrita contínua do nosso progresso partilhado. É a destruição criativa de Schumpeter em ação, onde o antigo é desmantelado para dar lugar ao novo. E à medida que avançamos na era da Inteligência Artificial damos por nós a escrever outro capítulo - um capítulo em que a fronteira entre o ser humano e a máquina está a tornar-se cada vez mais ténue. No entanto, apesar de todos estes progressos, há uma questão importante que paira no ar: será que a Europa tem um papel a desempenhar na construção da narrativa do futuro?
Um continente de criadores, uma encruzilhada de desafios
A tecnologia é a base sobre a qual assenta o progresso europeu, sendo grande parte do seu impacto atribuído às patentes. As patentes são uma parte central do progresso, transformando a invenção em crescimento, dando aos investidores a confiança necessária para apoiar a I&D e abrindo caminhos para a concessão de licenças, potencia transferências de tecnologia e parcerias. Portugal vê 15% do seu PIB intrinsecamente ligado a indústrias que fazem um uso intensivo das patentes. Sabemos também que as empresas europeias em fase de arranque com patentes e marcas registadas têm 10 vezes mais probabilidades de obter financiamento na fase inicial.
No entanto, os mesmos alicerces do progresso europeu estão a ceder sob o peso da complexidade, do excesso de regulamentação e da fragmentação do investimento. O relatório de Mario Draghi fez soar o alarme: A Europa é muitas vezes incapaz de traduzir as invenções em sucessos no mercado. Apesar de serem criadas mais startups na Europa do que nos EUA, as ideais e os cérebros brilhantes da Europa estão a emigrar para o estrangeiro para se expandirem. Embora o investimento de capital de risco em Portugal tenha registado um aumento impressionante de 147% no ano passado, a história das tecnologias que deixam a Europa em busca de outras condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento continua a ser-nos demasiado familiar. Por exemplo, a Talkdesk, uma startup portuguesa, mudou-se para São Francisco em busca de capital de risco e de escala para prosperar.
Existe também um fosso persistente entre a investigação e a realidade. Embora a Europa detenha uma parte substancial das famílias de patentes mundiais, dois terços das invenções universitárias ficam-se pelo papel em vez de entrarem no mercado. Em Portugal, muitas patentes são desenvolvidas por universidades e centros de investigação, mas sem os enquadramentos de negócio adequados, estas invenções correm o risco de se tornarem pouco mais do que exercícios académicos - brilhantes no papel, mas encalhados na prática.
Embora as especificidades destes desafios variem de país para país, as necessidades fundamentais são universais: à medida que a tecnologia se torna mais evidente, o ecossistema de inovação deve tornar-se mais inteligente, perguntando não só o que pode fazer, mas também o que deve fazer.
Das patentes ao progresso
Algumas das respostas estão na expansão do conhecimento, da acessibilidade e da cooperação transfronteiriça, avançando para um sistema de inovação mais perspicaz, inclusivo e, acima de tudo, orientado para o impacto. Isto significa repensar o papel das patentes e de que forma estas podem apoiar uma abordagem de 360 graus que estimule a invenção desde a criação até à escala; uma abordagem que abrace uma responsabilidade social mais alargada para impulsionar o progresso competitivo e sustentável.
Em primeiro lugar, o progresso precisa de ser apoiado por um conhecimento sólido. O mais recente Índice de Patentes da OEP transforma dados estatísticos em inteligência, fornecendo um conhecimento granular dos riscos e oportunidades para a competitividade da Europa permitindo, em última análise, orientar investimentos para as indústrias e inovações nas áreas mais críticas e estratégicas para a Europa. O Índice de Patentes da OEP revela-nos, por exemplo, que no ano passado os principais pedidos de patente europeia com origem em Portugal foram no domínio da tecnologia informática, que inclui a inteligência artificial. No entanto, se ampliarmos a lente para a tendência global, surge uma imagem diferente. Em todo o continente, a invenção europeia está a perder terreno no domínio da tecnologia informática, enquanto os Estados Unidos, a China e a República da Coreia se adiantam neste crítico sector tecnológico.
No entanto, o progresso tecnológico não tem apenas a ver com o que sabemos, mas também com quem pode aceder a essa informação e com a rapidez com que se atua com base nessa informação. É por isso que outro passo fundamental nesta jornada é a democratização do acesso ao conhecimento científico e tecnológico. A OEP detém a maior coleção de documentos sobre patentes, artigos científicos e de standards técnicos do mundo - o combustível que impulsiona a corrida às novas tecnologias. No entanto, esta corrida abranda quando a informação constante destas bases de dados está submersa no ruído de uma linguagem técnica e complexa. Urge por isso que todos - decisores políticos, investidores, investigadores - tenham a oportunidade de aceder e entender esta informação essencial para o progresso. É por isso que a OEP definiu como uma das prioridades do seu Plano Estratégico 2028, transformar este complexo conjunto de informação científica e tecnológica em informação inteligível e facilmente acessível para todos aqueles que possam desempenhar um papel fundamental no ecosistema da inovação.
Por exemplo, uma das plataformas tecnológicas recentemente desenvolvidas pela OEP facilita o acesso a dados essenciais sobre invenções relacionadas com a prevenção e o combate a incêndios de uma forma simplificada e acessível para não especialistas, para ajudar a detetar lacunas no mercado e a criar novas soluções para os incêndios florestais - uma urgência social e climática sentida em Portugal e à escala global. Através destas plataformas, não é necessário ser um especialista em patentes para identificar a tecnologia certa para uma determinada necessidade. Neste caso, tal como em cinco outros domínios críticos - do tratamento do cancro à energia limpa-as nossas plataformas tecnológicas estão a quebrar a complexidade associada ao acesso a informação sobre tecnologias patenteadas e a tornar essa informação acessível a todos aqueles que lhe possam vir a dar uso.
Estamos também a potenciar a utilização das patentes como um ativo essencial para impulsionar o investimento, através da criação de uma plataforma digital onde titulares de tecnologias patenteadas e investigadores possam cruzar as suas informações e lançar as bases para um diálogo e, eventualmente, um negócio. Para isso, a OEP, através da ferramenta Deep Tech Finder, está a mapear ativamente investidores especializados em tecnologias emergentes e a ligá-los a cerca de 10 900 startups, universidades e centros de investigação europeus detentores de pedidos de patente ou de patentes concedidas. Através da Deep Tech Finder foi possível identificar em Portugal 70 startups, spinouts e universidades que correspondem a estes critérios.
Ainda no que diz respeito a Portugal e às ferramentas e serviços disponibilizados a todos aqueles que pretendam recorrer ao sistema de patentes, não poderia deixar de salientar o recente Acordo de cooperação para elaboração de relatórios de pesquisa entre a OEP e o INPI. Por via deste acordo, que abrange 18 (em breve 21) Estados-Membros da nossa organização, a OEP fica habilitada a realizar os exames de pesquisa relativos aos pedidos de patente nacional. Isto significa, poder contar com o apoio especializado dos cerca de 4.000 examinadores de patente da OEP na realização de um relatório de pesquisa com opinião sobre a patenteabilidade, que é emitido no prazo máximo de 6 meses após a solicitação do pedido à OEP. Este relatório, importante para todos os requerentes, é especialmente importante para aqueles que pretendem atrair investimento para o desenvolvimento da sua invenção ou start-up, uma vez que é um dos elementos fundamentais do processo de due dilligence inerente a toda e qualquer decisão de investimento por parte de um potencial interessado. Este acordo prevê, além de mais, um desconto de 80% na taxa de pesquisa para PMEs, universidades e centros de investigação.
Escalar de forma mais inteligente - em conjunto
Em jeito de conclusão: para alcançar um progresso verdadeiramente sustentável, a Europa precisa de trabalhar em conjunto. O melhor exemplo disso é a Patente Europeia com efeito Unitário (Patente Unitária) e o Tribunal Unificado de Patentes (TUP).
A Patente Unitária é uma enorme história de sucesso. Criada para responder ao desafio de expandir a inovação através da criação de um mercado único de tecnologias, simplificou o panorama das patentes ao consolidar mercados fragmentados num único bloco, permitindo a proteção de uma patente de invenção em 18 mercados (esperando-se a adesão futura dos demais Estados-Membros da UE) através de um único pedido, uma única taxa e um quadro jurídico coeso sujeito à jurisdição de um Tribunal especializado (TUP). Desde a entrada em vigor da patente unitária, foram recebidos à volta de 54.000 pedidos de registo de efeito unitário, tendo cerca de 74% dos requerentes portugueses solicitado o efeito unitário para as suas patentes europeias concedidas em 2024. De facto, os requerentes portugueses lideram o ranking mundial quando se trata de registar o efeito unitário das suas patentes europeias. Ao mesmo tempo, a Patente Unitária tornou-se a escolha natural para as entidades mais pequenas, com mais de 50% das PME europeias a optarem pelo efeito unitário.
O Tribunal Unificado de Patentes, por sua vez, já tramitou mais de 800 casos, e Portugal está posicionado para desempenhar um papel fundamental no funcionamento do TUP. De facto, Portugal acolhe uma das Divisões Locais do TUP em Lisboa, uma das poucas fora do circuito dos países com elevada especialização em dirimir conflitos nestas matérias que foi “chamada a serviço” e cuja atuação foi elogiada pela comunidade europeia de patentes.
Além disso, o papel central de Portugal na criação de um sistema de Patente Unitária moderno e dotado dos mais elevados parâmetros de especialização em matéria de vias alternativas de resolução de litígios, foi coroado com a atribuição a Lisboa, juntamente com Lubljana, do Centro de Mediação e Arbitragem de Patentes (PMAC) do Tribunal Unificado de Patentes.
Tudo isto reforça a ideia de que o caminho para a inovação e o progresso tecnológico não pode, de modo algum, ser um caminho fragmentado e percorrido de forma individual. Fomos e seremos sempre mais fortes enquanto nação e enquanto Europa sempre e quando fizermos este caminho em conjunto. A nossa Rede Europeia de Patentes - a maior do seu género no mundo das patentes - é a prova desse facto, promovendo uma rede de cooperação transfronteiriça e multilateral para alimentar o progresso tecnológico.
O INPI tem sido um parceiro fundamental do OEP ao longo deste percurso, com 33 anos de sólida cooperação. Atualmente, com a necessidade urgente de expandir o impacto das invenções e de as introduzir mais rapidamente no mercado, temos de continuar a trabalhar em conjunto - não apenas para preservar o sistema de patentes já existente, mas para o desenvolver nos próximos anos, de modo a que o próximo capítulo da tecnologia não seja apenas inventado na Europa, mas também expandido e comercializado aqui.
António Campinos,
Presidente - Organização Europeia de Patentes